25 de agosto de 2008

Onde está a crítica?

O crítico de arquitectura ou de design desapareceu. Não se sabe o momento exacto desta extinção. Mas o que é certo é que nos últimos 15 anos, observámos ao desaparecimento deste tipo de contributo e estímulo para a actividade projectual.
No actual contexto editorial onde a velocidade de produção é um agente determinante de sobrevivência, a experiência táctil e espacial dos objectos é na maioria das vezes abandonada no exercício da crítica. Não há tempo nem dinheiro para perder em investigação. Devido ao aumento da competitividade no sector a crítica passou a ser tratada como uma apresentação dos objectos, mais parecida com a publicidade agressiva que constantemente contamina a comunicação das publicações. A ilustração do objecto através de desenhos e de fotografias assume uma importância que se sobrepõe à necessidade da fundamentação dos conteúdos dos textos. O consumo da imagem ganhou proporções que colocam em segundo plano a analise sintética dos projectos. Tal como as imagens de guerra nos noticiários, banalizadas pela constante presença visual dentro do ambiente íntimo das nossas casas, estão longe de representarem os centros de decisão e questões realmente úteis do ponto de vista político e social. O crítico passou a assumir uma condição semelhante à de os apresentadores de talk-shows. Esta lógica capitalista conseguiu por um lado que publicações como a El Croquis, Blueprint, Wallpaper e outras sejam facilmente encontradas em centros comerciais, mas por outro fez com que estas publicações eliminassem posições ideológicas mais extremas pela necessidade de atingir um maior número de consumidores, adoptando uma postura no mercado centrada nas massas. A crítica passou a ser encomendada. E por vezes a importância da imagem em relação à análise conceptual do projecto, que os textos ganham por vezes uma forma ridiculamente semelhante à dos resumos de telenovelas das revistas. Contam aquilo que qualquer vulgar observador consegue interpretar. Todos estes factores contribuíram para que a critica abandonasse nestes suportes o carácter de dispositivo que proporciona o debate cultural e questiona a prática projectual. A velocidade vertiginosa da produção editorial transformou-se num método de censura das sociedades de consumo em que vivemos. Utilizando as palavras com que Theodor Adorno define o efeito que o capitalismo teve sobre o músico, mas que tão bem se aplica ao crítico, podemos dizer que «os representantes da oposição ao esquema autoritário passam a ser testemunhas da autoridade do êxito comercial», ou seja, o crítico passou a ser um agente passivo manipulado pelas tendências do mercado.
Na investigação académica é talvez onde ainda se pratica a crítica pura. Aparentemente liberta da necessidade de satisfazer um mercado de massas numa lógica capitalista, pode ser um caminho para provocar o debate sobre a prática projectual através da investigação. No entanto o poder da Academia tem vindo a diminuir, para além do facto que a investigação académica está cada vez mais isolada do caracter sensacionalista que impera nas indústrias de comunicação.
A inexistência de uma crítica analítica fundamentada do design interfere na construção da memória formal que irá constituir a memória histórica. De acordo com a efemeridade de cada obra a sua memória passa a ser constituída por imagens. Isto reflecte-se de um modo mais perceptível na arquitectura e design de exposições. Devido à curta duração da exposição, a interpretação por parte da crítica e a reprodução visual técnica são os únicos elementos que irão preservar a sua memória. A posterior análise histórica permite a distância crítica temporal, inserindo o objecto numa rede mais vasta de relações formais. Porém a interpretação deixa de ser realizada sobre o objecto físico, e passa a ser construída sobre a sua reprodução visual e interpretações anteriores. A função do objecto deixa de poder ser testada. No entanto foi elemento constituinte da sua formatividade. A memória formal do objecto é privilegiada em relação ao juízo sobre a satisfação da sua função e resposta às exigências de projecto. A sua história transforma-se e reconstrói-se por medida, pois uma vez esquecida a função é possível dizer o que se quiser sobre a forma. Desta maneira, tal como em outros aspectos da sociedade, privilegiamos truques de cosmética e subtraímos importância à qualidade e à inovação.

1 comentário:

gonçalo viegas disse...

Com exepção dos períodos pós-guerra, e a partir do momento que entramos da "era do consumo", será que não foi sempre assim, sem crítica? É um mal dos nossos tempos?
Só para chatear :)
Como não basta criticar que não se critica, vai lá ver isto:
http://ressabiator.wordpress.com/
http://texto.fba.up.pt/

Abraço
Gonçalo Viegas