25 de agosto de 2008

O(s) público(s) do Louvre num vulgar dia de Abril

Todos reclamam o seu lugar dentro do museu. Todos usufruem das suas funções educativas e simbólicas com o sentido de aumentar o seu capital cultural e incorporar códigos identitários colectivos. Nas sociedades ocidentais, o museu passou a representar mais uma possibilidade de consumo identificadora do lifestyle pessoal de cada um.


















Museus de arte antiga à procura do futuro

Uma das estratégias que os museus de arte antiga têm vindo a encontrar para cativar a atenção de novos públicos é o convite a artistas contemporâneos para a exploração dos seus espaços com o seu trabalho.
Em 2007 José Pedro Croft apresentou uma instalação no Museu Calouste Gulbenkian, composta por um conjunto de esculturas minimalistas colocadas no átrio de entrada daquela instituição. A exposição foi encomendada por ocasião da celebração do cinquentenário do nascimento da instituição. O autor justificou a escolha de ter localizado a sua obra no átrio do museu e não nas galerias por não querer o confronto directo com as obras dos mestres da colecção permanente do museu. Já este ano, também o artista belga Jan Fabre apresentou no Louvre a exposição L’Ange de la métamorphose. Aqui o artista preferiu o cronfronto entre a suas obras e as obras expostas nas galerias das Escolas Flamenga, Holandesa e Alemã do Louvre. A intenção de cativar a atenção dos públicos mais jovens, foi a posição oficial
apresentada pela comissária da exposição no Louvre, Marie-Laure Bernadac, para justificar aquela acção, que permitiu apresentar um novo olhar sob as peças da colecção em confronto com a arte contemporânea.
A manipulação simbólica dos espaços torna-se, tanto num caso como no outro, num elemento determinante para as obras e para as instituições. O museu é por um lado o local de exibição da obra e por outro o seu próprio suporte e material constituinte, ou seja através da obra (pretexto) o museu exibe-se a si mesmo. O autor tem o sucesso garantido à partida pois o local que garante o reconhecimento público da sua obra é parte integrante dela. Por outro lado o museu utiliza o autor como mero instrumento de marketing para num movimento narcisista expor-se a si próprio, concentrando em si o duplo significado de templo das artes e ao mesmo tempo objecto de museu. Coloca-se numa posição ao nível das obras que abriga nas suas salas.
Ao recusar utilizar as galerias de exposições temporárias do Museu Gulbenkian, José Pedro Croft estava a contribuir para a mitificação daquele espaço. Esta renúncia de «profanar» o «local sagrado» coloca não só as obras da colecção mas também a instituição num patamar simbólico superior. No caso do Louvre, apesar das obras de Jan Fabre estarem em confronto com as da colecção, aquela exposição/instalação só foi possível ali, necessitava da natureza física e mítica daquele espaço. O autor ocupou um lugar simbólico privilegiado, enquanto que o museu pretendia com esta estratégia a associação da sua imagem à vanguarda artística contemporânea. Tanto num caso como no outro, estas estratégias fortalecem a importância patrimonial destas instituições ao mesmo tempo que as mostram ao público como participantes na sociedade contemporânea, afastando-se assim da imagem de museu fechado sobre as suas colecções.
Estas e outras estratégias são fundamentais para a redefinição do papel e funções dos museus para o futuro. A tendência da imaterialidade da arte e da exploração dos ambientes virtuais obrigam os museus a repensarem-se enquanto máquinas de exposição, comunicação e cada vez mais produção artística. O significado de museu está em constante transformação. Lentamente o museu transformar-se-á num local com novas formas de arte, novos públicos e novos meios de estabelecer a comunicação entre ambos.

Onde está a crítica?

O crítico de arquitectura ou de design desapareceu. Não se sabe o momento exacto desta extinção. Mas o que é certo é que nos últimos 15 anos, observámos ao desaparecimento deste tipo de contributo e estímulo para a actividade projectual.
No actual contexto editorial onde a velocidade de produção é um agente determinante de sobrevivência, a experiência táctil e espacial dos objectos é na maioria das vezes abandonada no exercício da crítica. Não há tempo nem dinheiro para perder em investigação. Devido ao aumento da competitividade no sector a crítica passou a ser tratada como uma apresentação dos objectos, mais parecida com a publicidade agressiva que constantemente contamina a comunicação das publicações. A ilustração do objecto através de desenhos e de fotografias assume uma importância que se sobrepõe à necessidade da fundamentação dos conteúdos dos textos. O consumo da imagem ganhou proporções que colocam em segundo plano a analise sintética dos projectos. Tal como as imagens de guerra nos noticiários, banalizadas pela constante presença visual dentro do ambiente íntimo das nossas casas, estão longe de representarem os centros de decisão e questões realmente úteis do ponto de vista político e social. O crítico passou a assumir uma condição semelhante à de os apresentadores de talk-shows. Esta lógica capitalista conseguiu por um lado que publicações como a El Croquis, Blueprint, Wallpaper e outras sejam facilmente encontradas em centros comerciais, mas por outro fez com que estas publicações eliminassem posições ideológicas mais extremas pela necessidade de atingir um maior número de consumidores, adoptando uma postura no mercado centrada nas massas. A crítica passou a ser encomendada. E por vezes a importância da imagem em relação à análise conceptual do projecto, que os textos ganham por vezes uma forma ridiculamente semelhante à dos resumos de telenovelas das revistas. Contam aquilo que qualquer vulgar observador consegue interpretar. Todos estes factores contribuíram para que a critica abandonasse nestes suportes o carácter de dispositivo que proporciona o debate cultural e questiona a prática projectual. A velocidade vertiginosa da produção editorial transformou-se num método de censura das sociedades de consumo em que vivemos. Utilizando as palavras com que Theodor Adorno define o efeito que o capitalismo teve sobre o músico, mas que tão bem se aplica ao crítico, podemos dizer que «os representantes da oposição ao esquema autoritário passam a ser testemunhas da autoridade do êxito comercial», ou seja, o crítico passou a ser um agente passivo manipulado pelas tendências do mercado.
Na investigação académica é talvez onde ainda se pratica a crítica pura. Aparentemente liberta da necessidade de satisfazer um mercado de massas numa lógica capitalista, pode ser um caminho para provocar o debate sobre a prática projectual através da investigação. No entanto o poder da Academia tem vindo a diminuir, para além do facto que a investigação académica está cada vez mais isolada do caracter sensacionalista que impera nas indústrias de comunicação.
A inexistência de uma crítica analítica fundamentada do design interfere na construção da memória formal que irá constituir a memória histórica. De acordo com a efemeridade de cada obra a sua memória passa a ser constituída por imagens. Isto reflecte-se de um modo mais perceptível na arquitectura e design de exposições. Devido à curta duração da exposição, a interpretação por parte da crítica e a reprodução visual técnica são os únicos elementos que irão preservar a sua memória. A posterior análise histórica permite a distância crítica temporal, inserindo o objecto numa rede mais vasta de relações formais. Porém a interpretação deixa de ser realizada sobre o objecto físico, e passa a ser construída sobre a sua reprodução visual e interpretações anteriores. A função do objecto deixa de poder ser testada. No entanto foi elemento constituinte da sua formatividade. A memória formal do objecto é privilegiada em relação ao juízo sobre a satisfação da sua função e resposta às exigências de projecto. A sua história transforma-se e reconstrói-se por medida, pois uma vez esquecida a função é possível dizer o que se quiser sobre a forma. Desta maneira, tal como em outros aspectos da sociedade, privilegiamos truques de cosmética e subtraímos importância à qualidade e à inovação.